Distanciamento social como comportamento pró-social
- Susana Novais
- 25 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
O ser humano é, intrinsecamente, um ser social. Precisamos de laços afectivos. Assim que nascemos, começamos a desenvolver uma relação de íntima proximidade com a nossa mãe, promovida pelo contacto físico e pela amamentação. Os vínculos estabelecidos na primeira infância reflectir-se-ão no nosso desenvolvimento neuropsicológico e, consequentemente, nos nossos comportamentos socioafectivos ao longo da vida.
Nos mamíferos, existe, por parte dos progenitores, um grande investimento no bem-estar das crias, sobretudo nas fases iniciais do seu desenvolvimento, não só em termos de nutrição, mas também sob formas mais complexas de cuidado parental, como carinho e segurança. Aumentando as hipóteses de sobrevivência e futura reprodução das crias, este comportamento protector constitui uma vantagem do ponto de vista evolutivo – e pode ser considerado como um precursor da empatia.
A própria empatia foi evoluindo, ao longo dos tempos, de formas mais primitivas, como o contágio emocional (designado por “Stimmungsübertragung” em etologia), para outras mais complexas, como a empatia emocional e a empatia cognitiva, que implicam a compreensão dos sentimentos e pensamentos do outro, respectivamente. A este extremo do espectro fenomenológico da empatia temos associados outros comportamentos pró-sociais, como o altruísmo e a compaixão.
Neurologicamente, às diversas facetas da empatia estão associadas estruturas cerebrais distintas. Sentimentos de empatia estão relacionados com a activação de áreas cerebrais filogeneticamente ancestrais, como o sistema límbico, e também de regiões neocorticais.
Neuroquimicamente, à empatia estão associados os neuropéptidos oxitocina e vasopressina. Sabe-se há muito que a oxitocina, conhecida por “hormona do amor”, está envolvida em comportamentos sexuais e em processos relacionados com o trabalho de parto e a amamentação. Recentemente, descobriu-se que apresenta também um papel importante na cognição social, promovendo a empatia e o comportamento pró-social.
Facto curioso: A administração nasal (via spray) de oxitocina suscita actos altruístas!
Quando temos comportamentos altruístas, sentimo-nos bem, certo? O sistema neurológico de recompensa e prazer depende largamente de uma outra hormona, a dopamina. Mas, como a oxitocina parece influenciar a actividade dopaminérgica, a sua produção é também conducente a estados de prazer.
Quando ajudamos os outros, sentimo-nos bem.
E os outros também se sentem bem. Foi demonstrado que um acto de bondade tem efeitos neuroquímicos não só em quem o pratica, mas também em quem o recebe. E ainda – o que é fascinante! – em quem assiste à sua realização.
Com um acto de bondade eu estou não só a alterar o estado do meu cérebro, mas também o dos outros!
Por exemplo, se eu ajudar uma senhora de idade a transportar os seus sacos de compras, eu vou sentir-me feliz por ter ajudado, ela vai sentir-se feliz por ter sido ajudada, e as pessoas que virem o meu acto de gentileza vão também sentir-se felizes por terem assistido. E mais! Vão, elas próprias, ter mais tendência a ajudar os outros.
Espalha-se assim, uma onda de gentileza.
Sim, o coronavírus é altamente contagiante, mas também o são a bondade, a gentileza, o altruísmo, a empatia, a compaixão, o amor.
E nesta pandemia têm-se multiplicado os actos de bondade. A empatia tem, efectivamente, contagiado os nossos corações, materializando o melhor da nossa condição humana.
Há vizinhos que se oferecem para fazer compras aos idosos; chefs que se voluntariam para cozinhar para profissionais de saúde e pessoas carenciadas; engenheiros que produzem peças para ventiladores, em impressoras 3D; empresas têxteis que fabricam material de protecção; fundações, empresas, instituições, atletas e empresários que fazem enormes donativos; e tantos, tantos outros, muitos anónimos, que ajudam da melhor forma que sabem e podem.
Segundo o Dalai Lama, o cultivo da compaixão não é mais um luxo, mas uma necessidade para a sobrevivência da nossa espécie.
Numa altura em que somos convocados a praticar o recolhimento e o recato, façamo-lo com propósito. Um propósito maior. Um bem supremo, superlativo, transcendente. Agregador.
Consideremos o distanciamento social como um verdadeiro acto de amor e compaixão.
Em isolamento, no nosso introspectivo retiro, podemos sintonizar-nos com a intimidade do nosso ser, ao ritmo da respiração – e nas suas ondas habitar o presente.
Quando o praticamos em colectivo, remotos no espaço mas não no tempo, estamos unidos, somos unos, partilhando desta nossa condição humana.
No silêncio da meditação, profundo e sublime, conseguimos escutar os etéreos ecos da empatia, que reconfortantemente nos envolve, transmutando-nos para um abraço no infinito.

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