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O tempo e o sonho

  • Foto do escritor: Susana Novais
    Susana Novais
  • 8 de abr. de 2020
  • 2 min de leitura

Cientista e escritora – respondia, sem hesitar, quando me perguntavam que queria ser quando fosse grande.

Queria tornar possível o impossível; tangível, o intangível; real, o imaginário.

A ciência permitir-me-ia desbravar o desconhecido, desvendar mistérios, dar novos mundos ao mundo.

A escrita permitir-me-ia sonhar o inimaginável, abstrair-me do concreto, concretizar o abstracto.

Sonhadora, diziam os mais soturnos. Sim, sonhadora, sempre – com muito orgulho. Alimentada de sonhos, alimentava as minhas paixões.

Sempre me fascinaram, os sonhos – tanto os que nos enlevam de noite, como os que nos extasiam de dia.

Acordados, sonhar permite-nos esbater as fronteiras desta nossa existência quadridimensional, escapar à constrangedora clausura do espaço, contornar a cruel implacabilidade do tempo. Permite-nos desconstruir o canónico racionalismo cartesiano, metamorfosear a ortodoxa topologia euclidiana e habitar a fluída intemporalidade onírica.

Dormindo, desconectado do que nos rodeia, consegue o nosso cérebro, por si só, gerar um mundo imenso de experiências subconscientes, alicerçadas em vívidas alucinações hipnagógicas. “O homem, na noite, acende a si mesmo uma luz, quando a lua dos seus olhos se apaga”, dizia Heráclito, “o obscuro”.

A surreal genialidade de Salvador Dalí manifestava-se nos seus sonhos fantásticos, que capturava na tela.

Sonhar não nos distingue dos outros animais. Não precisamos de entrar num cenário orwelliano para ver animais a sonhar. Os cães sonham com as brincadeiras que lhes preencheram o dia, os gatos sonham com os novelos que desfizeram, até os ratos sonham com o percurso que os levou à comida. Aquilo que nos distingue dos outros animais é acreditar nos nossos sonhos – e sonhar e lutar sempre por um mundo melhor.

Há dias, numa rede social de uma amiga, uma bela foto estival, de um singelo figo, deus de um verão real tornado imaginário: “Quando ainda podia sonhar.” Nunca quatro palavras espelharam tão nitidamente os contornos de tão profundo desalento. Apaixonada pela sua arte, que tão eximiamente executa, abraça agora a tristeza por outros não poder abraçar.

Sonha, querida amiga, sonha agora, sonha sempre. Sempre sonhaste bem alto e bem sabes que o sonho comanda a vida. E sempre que tu sonhas, o nosso mundo pula e avança.

Sonhando, consegues viajar no tempo. Mas não te detenhas demasiado no passado. Não te apegues dolorosamente ao que foi – e já não é.


Sonha mais alto, mais longe, sonha com um futuro melhor.

Sonha com figos ainda mais suculentos e mais doces.

Não serão a arte, a ciência e a escrita das mais nobres formas de sonhar?





 
 
 

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